Privatização dos parques de Goiânia: liberdade ameaçada ou solução prática?

Na manhã desta terça-feira, 19 de agosto, durante a inauguração de uma nova fonte no Parque Vaca Brava, o prefeito de Goiânia, Sandro Mabel (União), anunciou a sua intenção de terceirizar a gestão dos parques da cidade. Segundo ele, a iniciativa busca estabelecer parcerias com empresas privadas para garantir a manutenção de estruturas básicas, como banheiros, fontes e a limpeza geral dos espaços. No entanto, a proposta já levanta questionamentos sobre seus impactos na liberdade dos cidadãos e na gestão do patrimônio público.
De acordo com o prefeito, os editais para concessão dos parques devem ser lançados nos próximos meses, em busca de empresas interessadas em explorar economicamente esses espaços. “Uma empresa que possa explorar o parque de alguma forma, mas que possa manter ele mais bonito, com o banheiro funcionando. Coisas que a administração pública acaba não conseguindo fazer”, justificou Sandro Mabel.
Por trás das palavras do prefeito, a preocupação com a manutenção desses espaços é legítima e reflete problemas históricos enfrentados pelos parques de Goiânia, que muitas vezes sofrem com a falta de recursos públicos e de infraestrutura adequada. Contudo, a proposta também acende um alerta: o que a prefeitura entrega à iniciativa privada é muito mais do que áreas verdes, são espaços de convivência social, lazer democrático e, acima de tudo, símbolos históricos e culturais da cidade.
A privatização ameaça o acesso público?
A terceirização, representada pela concessão a empresas privadas, raramente é isenta de custos ao cidadão. Em grande parte das experiências semelhantes no Brasil, a “exploração” dos parques pela iniciativa privada implica na implementação de cobranças indiretas ou, no mínimo, restrições sob o pretexto de controle operacional. Isso gera um questionamento urgente: os parques de Goiânia, que são locais historicamente abertos e gratuitos, permanecerão acessíveis a todos ou se tornarão reféns de interesses comerciais, comprometendo a liberdade de ir e vir?
A liberdade do cidadão é um dos pilares das políticas públicas urbanas. Parques como o Vaca Brava, o Flamboyant e o Areião não apenas funcionam como locais de lazer, mas são espaços de socialização democrática, frequentados igualmente por crianças, idosos, esportistas amadores e famílias de todas as classes sociais. Qualquer barreira ao acesso – como taxas de entrada, limitações impostas pela gestão privada ou exploração econômica excessiva – pode afetar a função original desses espaços.
Em outras cidades brasileiras onde houve concessão de parques, surgiram problemas: cobrança indireta de entrada por eventos privados, áreas cercadas para garantir a exclusividade de atividades e concessões que priorizam interesses comerciais em detrimento da sustentabilidade ambiental e cultural. Não seria ilógico imaginar que Goiânia possa seguir pelo mesmo caminho, trazendo mais prejuízos do que benefícios à população.
A administração pública está abrindo mão de sua função?
A defesa em favor da concessão aos privados parte de um argumento recorrente: “o poder público não consegue fazer”. Essa frase, dita por Sandro Mabel, resume um problema crônico do Brasil: a incapacidade de gestores públicos em administrar adequadamente áreas de interesse coletivo. Neste caso, ao invés de enfrentar e corrigir as falhas administrativas que impossibilitam a boa manutenção dos parques, o prefeito prefere transferir a responsabilidade para um setor cuja prioridade são os lucros, e não o bem-estar público.
Ao terceirizar parques, a gestão municipal abdica do dever constitucional de preservar e garantir o acesso universal aos bens comuns. Esses espaços, que foram construídos ou revitalizados com recursos pagos pela população, estão sendo entregues como peças de barganha. Se a manutenção de banheiros é o problema, por que não ampliar investimentos e priorizar parcerias que não excluam a essência pública da gestão? A lógica da privatização só reforça a falência do poder público e sua negligência em relação ao planejamento de políticas sustentáveis.
A luta pelo direito à cidade
Diante do anúncio de terceirização, é necessário refletir se estamos caminhando para a consolidação de uma cidade onde o direito à cidade, um conceito defendido pelo urbanista Henri Lefebvre, se torna secundário aos interesses econômicos. A liberdade de circulação, o uso irrestrito de espaços públicos e o acesso à natureza são condições fundamentais para uma cidade saudável, inclusiva e democrática. A concessão pode minar essas condições, criando uma Goiânia mais segregada, onde os parques passam a ser verdadeiros “clubes fechados” disfarçados de áreas de uso comum.
Nas próximas semanas, quando os editais forem divulgados, será essencial que a sociedade goianiense participe ativamente no debate sobre os moldes dessa terceirização. Serão necessários mecanismos claros que impeçam a elitização dos parques e garantam a preservação de seu caráter público. Acima de tudo, é preciso lembrar que entregar nossos parques à iniciativa privada não é apenas uma discussão sobre manutenção, mas sobre o verdadeiro propósito desses espaços na estrutura social e urbana de Goiânia.
Goiânia merece parques limpos, acessíveis e bem administrados. Mas nada justifica que isso venha à custa da liberdade dos cidadãos e do enfraquecimento da administração pública. Afinal, a cidade pertence a quem nela vive, não a quem dela lucra.