Sociedade

[Opinião] Escola sem partido ou sem Estado?

A PL 867 de 2015 inclui, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o “Projeto Escola sem Partido”. A lei apresenta-se como a proposta para, segundo a justificativa encontrada no seu texto, “(…) adotar medidas eficazes para prevenir a prática da doutrinação política e ideológica nas escolas, e a usurpação do direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”

A respeito da conduta de doutrinar ou da própria doutrinação, o projeto de lei não oferece um conceito objetivo. Entretanto, no seu Artigo 4°, que trata do exercício e das funções do professor, seis incisos são apresentados, evidenciando quais são as atitudes indesejáveis e como deve agir o professor, a fim de evitar a doutrinação em sala de aula. Da leitura seis é possível perceber que, para seus propositores, a principal forma de doutrinação ocorre quando, sobre o pretexto de ensinar, um conteúdo de viés ideológico é apresentado como conteúdo cientificamente comprovado, longe de incertezas ou dúvidas. Para tanto, as outras perspectivas, concorrente, que o educador julga superadas, são deixadas de lado. A posição é defensável.

Indo além, a PL 867 de 2015 também estabelece, ou tenta estabelecer, mecanismo de controle, fiscalização e de garantias para sua eficácia. Dentre os quais, a entrega de um material informativo contendo os temas ministrados e enfoques abordados; Cartazes informativos, contendo os direitos garantidos de liberdade de consciência e de crença e outros. Contudo, de todos os imbróglios burocráticos desejados pela lei, o mais curioso é o canal de comunicação junto às secretarias de educação, usado para receber as denúncias e posteriormente encaminha-las ao Ministério Público.

Tais dispositivos são duramente criticados. Vários pessoas os acusam, principalmente, de fomentar a censura sobre o que é ensinado, ou mesmo de servir a uma agenda conservadora e retrógada. No entanto, o projeto de lei cria uma burocracia insustentável; Confia no Poder Executivo para investir nas adequações propostas pela lei; Que o judiciário terá recursos para promover as investigações necessárias; Desafia um problema complexo inocentemente, crendo nessa suposta eficiência legal e ignorando abertamente o próprio ambiente cultural, político e acadêmico, vítima de certa hegemonia de pensamento. Nesse contexto, seria muito otimismo de seus opositores acreditar que alguma mudança real ocorreria. Ocorre que o Estado não é a solução, é o problema em si. No entanto, a fragilidade da lei não desmerece a preocupação trazida por ela, aliás, talvez seja a própria discussão sobre a hipótese de doutrinação a única vantagem verificável. Vejamos:

É sabido que, já há alguns anos, a esquerda, especialmente reformista, ganhou um protagonismo imenso na América Latina. Em seus governos e especialmente no ambiente acadêmico. Também em cursos responsáveis pela formação de professores, onde existe uma cartilha ideológica muito clara, posta a mesa e visível a qualquer um. Junto a isso, temos uma educação ainda provinciana. Saímos do ensino médio abarrotados de fatos científicos, na melhor hipótese, mas totalmente ignorantes sobre a própria epistemologia da ciência, sobre o que é o método científico, ou mesmo, como se faz uma pesquisa. Somado a isso, uma considerável e preocupante parcela da educação é centralizada e gerenciada pelo Estado. A esse respeito, Stuart Mill alertava: “Uma educação geral pelo estado é meramente um truque a fim de modelar as pessoas de maneira idêntica uma à outra, e já que a fôrma na qual são fundidas é da maneira que agrada ao poder estabelecido no governo – seja uma monarca, religioso, uma aristocracia ou uma maioria de geração existente – então institui um domínio pela força sobre o espírito (…)”. Na ocasião, Stuart Mill, um implacável defensor da liberdade, alertava para os riscos de outorgar a Estado o domínio sobre o espirito da população, isto é, sobre sua educação, ideias e concepções, esclarecendo o interesse dos governos em controlar a educação, enviesando o que ensinado a fim de controlar seu povo. A origem da doutrinação.

A centralização do controle estatal da educação no Brasil é observada em diversos elementos do nosso sistema. A escolha de livros por parte de um órgão central e governamental, uma prova única para acessar o ensino superior publico ou privado e a própria gestão direta de unidades escolares são apenas exemplos. O projeto “Escola Sem Partido” aumenta o controle estatal e estimula o ampliação do problema que supõem resolver. A indexação do estado pela religião ocasionou, em seu tempo, frequentes atentados contra a liberdade dos indivíduos. Tal proximidade permitia a utilização um do outro, para a perseguição de objetivos questionáveis e de grupos específicos. O resultado era um quadro de permanente subjugação dos indivíduos. Não obstante, a conquista do estado laico foi a grande propulsora da liberdade religiosa.

A religião, uma vez fora do julgo estatal, proporcionou a qualquer individuo a livre expressão da sua religiosidade e também, erguer toda uma sorte de templos. Não se faz hoje, por esse mesmo motivo, necessidade de se discutir uma doutrinação religiosa pelo Estado. Não há motivos para acreditar que a separação entre estado e educação não produziria efeito semelhante. Em tal atmosfera, a oferta de escolas variadas e distintas seria imensa, assim como a diversidade de religiões e templos. A sociedade não seria obrigada a custear, mediante tributos, uma educação publica cara, ineficiente e com propósitos questionáveis, realocando assim, tais recursos, em escolas privadas, que aumentariam exponencialmente para servir á demanda criada pela lacuna estatal. O aumento na oferta de instituições de ensino, inevitavelmente, se adequaria ao interesse da população. Interesses variados resultariam em escolas com valores e objetivos variados. O quadro que surgiria seria um de liberdade, diversidade e autonomia do indivíduo sobre si. Defender tal proposta hoje ainda é visto com maus olhos, assim como foi com os que primeiro defenderam o estado laico. Hoje a maioria concorda que a separação entre os ambos foi um dos mais importantes passos civilizatórios.

Artur Kovaciu
Acadêmico de Direito e Presidente do Clube Bastiat

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