Justiça

Defensoria Pública garante a homem o seu primeiro documento e o registro de nascimento da filha

Nascido na cidade paraense de Marabá há 35 anos e vivendo em Goiás há sete, Maicon dos Santos nunca teve o seu nascimento registrado. Até o início do mês de agosto deste ano, ele sequer havia tido um documento oficial. A mudança desse cenário ocorreu por meio da assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) que, a partir do Projeto de Mãos Dadas, garantiu a ele o registro civil e o primeiro documento de identidade. O acesso a esse direito também lhe possibilitou a realização de um sonho: registrar oficialmente sua filha de 2 anos.

Até então, chegou a utilizar documentos falsos, em nome de outras pessoas, que apresentava como seus. A atitude, porém, trouxe ainda mais problemas, acarretando em uma prisão. Em liberdade, Maicon passou a ter sempre consigo o alvará de soltura, que, sendo o único documento oficial que possuía, apresentava como comprovante de sua identidade. Ele conta que sua história já era conhecida até mesmo por policiais que trabalhavam na região em que vivia, pois sempre tinha que explicar a eles o fato de não possuir documentação. Algumas vezes, porém, apenas a explicação não era suficiente e, nesses casos, ele acabava sendo novamente conduzido à delegacia.

Em 18 de agosto, já em posse de seus documentos oficiais, esse obstáculo foi superado. A DPE-GO promoveu uma sessão de mediação extrajudicial para o reconhecimento da paternidade e a alteração dos documentos da criança, por meio do Projeto Meu Pai Tem Nome. “Eu sabia que era importante ter um documento, mas as pessoas falavam para mim que seria muito difícil e que eu teria que ir ao Pará. Hoje eu vejo que não é tão difícil quanto eu imaginava”, conta o homem, que se emocionou ao saber que, finalmente, poderia incluir suas informações nos documentos da menina.

Responsável pela coordenação dos projetos, o primeiro subdefensor público-geral do Estado, Tiago Gregório Fernandes, diz que a situação vivida pelo assistido expõe um problema recorrente entre a população em situação de vulnerabilidade brasileira, que é o sub-registro. “A regularização do registro civil e do documento de identificação é o pressuposto fundamental para o exercício da cidadania. O caso do Maicon mostra de forma gritante que alguns direitos lhe foram postergados ao longo da vida, como a confecção de uma carteira de trabalho, o reconhecimento de paternidade, a possibilidade de vacinação, o direito à saúde, dentre outros exemplos”, explica.

Vulnerabilidade

A situação vivida por Maicon, assim como a de muitas pessoas atendidas pela Defensoria Pública, decorre de um contexto de vulnerabilidade existente desde o seu nascimento. Em seus primeiros anos de vida, não foi registrado pelos pais. Ele conta que, ainda na infância, presenciou situações de consumo de álcool e drogas e foi abandonado pela mãe. Vivendo com o pai, sofreu com a violência e a agressividade deste. Com isso, acabou saindo de casa por volta dos 8 anos, segundo lembra, vivendo nas ruas e transitando por várias cidades e estados, até chegar em Goiânia, em 2014. Diante de tais circunstâncias, a ausência de um registro civil ainda não tinha se colocado como um problema. “Eu conheci muitas pessoas que não tinham registro. A maioria das pessoas que vivem na rua não tem documento”, relata.

Após chegar à capital goiana, no entanto, ele foi preso em razão do uso de documentos falsos, permanecendo detido por mais de um ano e meio. “A ausência do registro civil repercute até mesmo no âmbito da segurança pública. Para resolver o problema, por desconhecimento da possibilidade de acesso à justiça de forma gratuita, ele optou por fazer um documento falso. Isso gerou uma primeira ocorrência policial e a partir disso todos os constrangimentos relacionados a ela”, observa o primeiro subdefensor público-geral.

Há cerca de um ano e meio, Maicon buscou regularizar a situação de sua documentação, que também havia gerado outros problemas a ele. Mais recentemente, ao ser flagrado utilizando uma carteira de habilitação falsa, ele voltou a ser detido. No dia a dia, a falta de documentos se apresentava como um problema até mesmo em situações corriqueiras, como realizar compras. Sem CPF, ele não podia sequer realizar cadastros em lojas. “Era como se eu não existisse”, define. “Mas eu não falava para as pessoas que não tinha documentos. Tinha vergonha e acabava dando alguma desculpa. Ninguém ia acreditar que um homem de 35 anos nunca teve documentos.”

Projeto de Mãos Dadas

Com o intuito de evitar novos constrangimentos, ele procurou auxílio e acabou chegando ao Projeto de Mãos Dadas, realizado pela DPE-GO em conjunto com o Conselho Estadual de Juventude (Conjuve) e a Escola de Direitos Humanos (EDH). A atuação ocorre por meio de instituições de ensino parceiras de diversas partes da capital. Em contato com a equipe do Colégio Estadual do Setor Palmito, localizado no Jardim Novo Mundo, o homem recebeu as orientações necessárias e passou pelo atendimento que deu início a ação de registro de nascimento tardio que culminou na entrega dos documentos, feita em agosto.

“O caso do Maicon é muito relevante porque demonstra a eficácia de projetos de educação em direitos junto a comunidades vulneráveis. Através dessa interlocução com as escolas e com a rede socioassistencial, é possível chegar a uma pessoa em extrema vulnerabilidade, que provavelmente não conheceria a Defensoria Pública senão por meio do diálogo com a rede”, avalia Tiago Gregório Fernandes, acrescentando que, no caso do Projeto de Mãos Dadas, essa aproximação com a população se dá por meio de unidades das redes municipal e estadual de ensino em Goiânia.

O membro da DPE-GO aponta ainda que foi de suma importância para a rápida resolução da demanda a prerrogativa funcional de requisição de informações, prevista no Art. 128, inciso X, da Lei Complementar nº 80/1994, que, dentre outras providências, organiza a Defensoria Pública na União e nas unidades da federação. Essa prerrogativa possibilita que a Defensoria Pública requisite exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições a autoridades públicas ou seus agentes.

“Requisitamos informações nos cartórios de registro civil de Marabá e no hospital onde ele teria nascido. Tudo isso veio já documentado, o que permitiu uma tramitação muito ágil do processo. A relevância dessa prerrogativa de requisição é a de não postergar o acesso à justiça e o exercício de um direito fundamental, que é o reconhecimento da própria existência via certidão de nascimento”, destaca o primeiro subdefensor-geral.

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