10 Medidas: procurador do MPF defende propostas na Câmara dos Deputados
Durante audiência pública realizada na última quarta-feira,24 de agosto, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa o Projeto de Lei (PL) 4850/2016, sobre as 10 Medidas contra a Corrupção do Ministério Público Federal (MPF), o procurador da República Helio Telho Corrêa Filho ressaltou que, “sem reduzir a impunidade, não se reduz a corrupção. Não mudar o processo penal brasileiro significa não atacar a impunidade. Por isso, há necessidade de mudanças no processo penal, para dotá-lo de um mínimo de eficiência”.
Em sua manifestação, Hélio Telho rebateu algumas críticas às 10 medidas e apresentou suas sugestões de complementação ao projeto sobre o desencarceramento e a humanização das penas, a aceleração da solução dos casos penais e a redução da impunidade. Além disso, destacou que o Parlamento é a instituição legítima para o debate e melhoria das propostas.
Ao falar sobre o processo penal de garantias, o procurador destacou que não se trata de um processo que deve garantir apenas o direito do investigado ou do acusado, mas deve garantir também o bem jurídico tutelado pela norma penal. “A vida, a integridade física, o patrimônio público e o privado estão igualmente assegurados na Constituição. Assim, deve haver um equilíbrio entre as garantias do acusado e a eficiência do processo penal. O projeto não tem viés acusador, mas viés de equilíbrio”, enfatizou.
O procurador da República destacou, ainda, que houve sugestões de desmembramento de parte das medidas que alteram regras específicas e pontuais do processo e sua remessa para comissões específicas. Entretanto, para ele, “além de esvaziar essa comissão, esquartejar as 10 medidas poderá ser interpretado como uma manobra regimental destinada a sepultá-las”.
Teste de integridade – O procurador explicou aos parlamentares que o teste de integridade não presume culpa, ele é uma ferramenta de prevenção e, ao mesmo tempo, de detecção de condutas ilegais. “A auditoria e a prestação de contas de administradores públicos é presunção de desonestidade? Não. Em se tratando da coisa pública, devemos confiar conferindo”.
Sobre o tema, Helio Telho apresentou suas sugestões de aprimoramento para tornar o teste obrigatório para todos, e não apenas para os policiais, ou retirar a obrigatoriedade para os policiais, mantendo facultativo para todos.
Para ele, também é importante estabelecer critérios objetivos para seleção dos servidores a serem testados, que poderiam ser aleatórios (por sorteio) ou dirigidos àqueles que tenham sido alvo de suspeitas ou de denúncias. Em relação ao emprego do teste, poderia ser determinado que apenas corregedorias, órgãos de controle interno e externo e de persecução penal fossem responsáveis pela aplicação do teste.
Provas ilícitas – Ao defender a proposta, o procurador esclareceu que não se trata de relativização das provas ou de que elas seriam utilizadas pelo MPF para condenar. Para ele, é impróprio falar em prova ilícita. “Não existe propriamente prova ilícita, mas prova obtida por meio ilícito. O meio pelo qual foi obtida, se ilícito, torna a prova inadmissível”.
De acordo com o representante do MPF, a teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas e das que dela se derivem foi importada dos Estados Unidos, porém de maneira “desastrada e apenas pela metade”, a começar pela definição do que sejam provas ilícitas, pois a Constituição não as admite, mas não define o que sejam. “O CPP é que o faz, e o faz mal feito, fugindo das origens e das razões do instituto. De acordo com o CPP, qualquer inobservância de formalidade legal torna a prova ilícita no Brasil. Banalizou-se, fugindo das razões que levaram à criação da teoria”, ressaltou.
Nesse sentido, o projeto das 10 medidas propõe redefinir o conceito legal de prova ilícita, que passaria a ser aquela obtida com violação de garantia legal ou constitucional. “Além do mais, das diversas exceções à regra da inadmissibilidade, apenas duas vieram junto com ela. O que se busca com as 10 medidas é importar o restante delas – trazer as demais causas excludentes de ilicitude da prova”, explicou Helio Telho.
Exceção de boa-fé – Helio Telho também apresentou o conceito da exceção de boa-fé (good faith exception), aplicada em decisão da Suprema Corte dos EUA. O entendimento é de que não se deve excluir a prova quando o policial a tiver obtido de boa-fé ou por erro desculpável. Ou seja, é preciso considerar a existência, ou não, de circunstância ou fato que o levou a crer que a diligência estava legalmente amparada, como por exemplo, quando o mandado contiver dados incorretos.
Segundo o procurador, a Corte americana entendeu que, nessas circunstâncias, o policial agiu de boa-fé e a exclusão da prova não produziria o efeito desejado: evitar que os policiais, no futuro, voltassem a violar direitos constitucionais dos investigados.
“Por exemplo, o juiz autoriza buscas no apartamento 23. O funcionário do judiciário, ao redigir o mandado, comete um equívoco e digita apartamento 32. A equipe policial realiza as buscas no endereço que consta do mandado e se depara com grande quantidade de dinheiro e a contabilidade da corrupção praticados por outra organização criminosa da qual sequer se sabia da existência. O policial agiu de boa-fé, porque não tinha como saber que o endereço do mandado estava errado. Assim, inadmitir essa prova não evitará que ele incida no mesmo erro novamente”, explicou Helio Telho didaticamente.
Prisão preventiva – Sobre o tema, o procurador salientou que o objetivo não é (e nem pode ser) o de coagir o investigado ou réu a devolver o produto do crime. Para exemplificar a situação, ele destacou o rastreio de valores derivados de corrupção em contas bancárias no exterior. “Rastreando o dinheiro, se depara com o seu registro, mas não se obtém êxito em apreendê-lo, porque o criminoso cuidou de transferi-lo para outra conta em outro país. Até se conseguir chegar a essa conta, o dinheiro já foi transferido para outros”.
Nesse caso, de acordo com Helio Telho, a prisão preventiva deve ser decretada para pôr fim a essa corrida. “A prisão preventiva, neste caso, somente poderá ser decretada quando as demais medidas cautelares não forem suficientes para obter o resultado”, ponderou.
Segundo o procurador, a medida busca, ainda, dificultar que o investigado ou acusado oculte ou mantenha oculto o produto do crime ou o faça desaparecer.
Também impede que o produto do crime seja utilizado para assegurar a impunidade do infrator, seja dando-lhe meios de fuga, seja custeando sua defesa criminal.
Habeas Corpus – Ao longo de sua exposição, o procurador enfatizou a banalização do uso do habeas corpus no Brasil. Segundo ele, o instrumento é aceito para qualquer finalidade e acaba tornando a tutela da liberdade prejudicada, além de desvalorizar o recurso. Telho destacou exemplos do uso banal do HC: preservação de imagem, anulação de sequestro de bens, assegurar visita íntima a presos, obtenção de rescisão indireta de contrato de trabalho e liberação de dinheiro apreendido.
“O que se propõe é que a concessão de medida liminar em habeas corpus deva se limitar a evitar a prisão ilegal ou a restituir a liberdade indevidamente cerceada. Qualquer outra matéria que venha a ser admitida à discussão no processo de HC deve ser tomada por decisão colegiada, após percorrido o devido processo legal e regular exercício do contraditório, com o que se assegurará maior probabilidade de acerto”, concluiu o representante do MPF.
Acordo penal – O procurador também abordou a medida em sua apresentação. Ele explicou que o anteprojeto propõe estender a todo e qualquer caso criminal a possibilidade de solução por consenso, dando ao réu mais uma alternativa de defesa: fazer acordo com o MP, para conseguir condição mais favorável do que teria se viesse a ser condenado, negociando a pena e seu regime de cumprimento. Em troca, haveria a dispensa da instrução processual, do julgamento e do recurso.
Para ele, o modelo proposto acolhe as críticas ao instituto da transação penal, trazendo balizamentos mais rígidos que limitam a discricionariedade e os poderes de negociação do titular da ação penal.
A proposta autoriza que seja acordado regimes especiais de cumprimento da pena, que poderia ocorrer na casa do apenado, com monitoramento, com exceção dos crimes hediondos ou semelhantes, os que envolvam violência doméstica, o reincidente ou o que exerça ou tenha exercido posição de liderança ou chefia em organização criminosa, esteja em uma das situações previstas no incisos I a III do art. 21 do Código Penal.