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Mutirama: o parque da tragédia anunciada

Familiares de vítimas do acidente prestaram depoimento e pediram que os responsáveis pelas causas sejam punidos

No último dia 26 de julho a população goianiense soube, chocada, que acabara de acontecer um acidente no tradicional parque infantil Mutirama. Um brinquedo chamado Twister – que elevava as crianças e girava ao mesmo tempo – sofreu uma pane despencou a uma altura de quatro metros, se espatifou no chão deixando dezenas de feridos.

No momento do acidente o parque estava lotado, como é comum em meses de férias escolares, e os primeiros socorros começaram a serem prestados pelos próprios populares antes da chegada da equipe de bombeiros e do Samu. As pessoas que estavam no local relataram que o clima era de histeria. Quem não procurava e tentava ajudar os feridos saía correndo com seus filhos de dentro do parque.

Poucas horas após a tragédia, a Agência de Turismo e Lazer da prefeitura de Goiânia (Agetul) divulgou uma nota a respeito do acontecido no parque. Uma nota “envergonhada”, que não esclareceu absolutamente nada. Limitou-se apenas a dizer que a manutenção dos brinquedos do parque estava em dia e que a polícia iria investigar o episódio.

André Luiz Braga, diretor do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu), foi ao parque Mutirama ajudar no atendimento às vítimas. Em entrevista a uma rádio da capital, André afirmou que encontrou “situação de caos”. 

A tragédia não foi a primeira dor de cabeça que o Mutirama trouxe ao prefeito Iris Rezende este ano. Há dois meses, o promotor Ramiro Carpenedo Netto denunciou um esquema de corrupção que desviou uma enorme quantidade de dinheiro das bilheterias do parque. O esquema foi desbaratado pela operação Multigrana, mas os chefões do grupo continuaram empregados na prefeitura. O prefeito Iris Rezende (PMDB) optou por mantê-los no cargo. O chefão-mor seria o presidente da Agência de Turismo e Lazer de Goiânia (Agetul), Alexandre Magalhães.

De acordo com o Ministério Público de Goiás  (MP-GO) , a organização faturava cobrando por bilhetes vendidos em duplicidade no Mutirama. O MP-GO apurou que algumas gráficas duplicavam os ingressos, portanto, a venda das entradas duplicadas era embolsada pela organização e não entrava no caixa do Parque.

Outra forma de desvio usada pelo grupo era a revenda de ingressos que já haviam sido entregues na catraca e não foram rasgados. Para isso, a organização subornava e contava com a cumplicidade dos bilheteiros. Em uma verdadeira associação criminosa que mesmo após o escândalo continuou dando as cartas no Mutirama.

Prefeito mandou fechar o parque
Mais de cinco horas após a tragédia o prefeito Iris Rezende chegou ao parque. Uma das grandes provas de que quem gerenciava o estabelecimento não entendia coisa alguma de entretenimento infantil e, que até a chegada do prefeito, o parque continuava funcionando como se nada houvesse acontecido. Visivelmente abalado e nervoso, o prefeito decretou o fechamento oficial do parque até que todos os outros brinquedos fossem vistoriados. Além disso, Iris se confundiu ao dizer que em 50 anos de história o parque nunca havia dado problemas e não soube responder porque não existia um engenheiro responsável pelos brinquedos.

Crea expôs entranhas do descaso no Mutirama
O Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura de Goiás (Crea-GO) fez uma revelação gravíssima: não há engenheiro responsável pela manutenção do parque Mutirama desde janeiro de 2017.
A nota da entidade esclareceu que os seus agentes fiscais realizam, anualmente, vistorias em parques de diversão em todo o Estado de Goiás. E que a última vistoria realizada no Parque Mutirama foi em 26 de janeiro de 2017, onde foi constatada a inexistência de profissional  da engenharia responsável pela manutenção dos equipamentos eletromecânicos. Na mesma data, a Agetul foi notificada para apresentar ao Crea-GO novo responsável técnico pelos brinquedos do parque.

No dia 28 de março de 2017, a Agetul encaminhou, ao Crea-GO,  ofício nº 0247/2017, solicitando prorrogação de prazo para regularização a qual seria feita via Processo Seletivo Simplificado. O edital do referido processo seletivo foi divulgado no dia 9 de junho de 2017, abrangendo vaga temporária para cargos de analistas em obras e urbanismo nas modalidades de Engenharia Elétrica e Engenharia Mecânica para coordenar e planejar atividades de manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos do Parque. O processo seletivo ainda está em andamento.

Ou seja, era como se o parque, em pleno mês de férias das crianças não só goianienses, mas também do interior do estado que vêm passear na capital, funcionasse de maneira clandestina. E o pior, com a conivência do poder público que deveria ter como prioridade zelar pela integridade de seus frequentadores.

A investigação
Em entrevista a um jornal de Goiânia o delegado responsável pelas investigações que apuram as causas da pane em uma das atrações do Parque Mutirama, Izaías Pinheiro, declarou que a polícia científica trabalha com a hipótese de que o brinquedo danificado poderia contar com uma “fissura antiga”.

“O equipamento é muito grosso e resistente, não se parte de uma hora para outra. A suspeita é de que já havia uma fissura ali há muito tempo”, declarou. Para averiguar as suspeitas, a Polícia Civil realizou uma segunda perícia no brinquedo.
O delegado também levantou a suspeita de que o parque estaria funcionando sem a atuação de um engenheiro técnico responsável, o que tornaria seu funcionamento “clandestino”. Em nota, entretanto, a Agetul garantiu que o espaço sempre contou com a presença diária do profissional nas dependências do parque. Já o Crea-GO, em outra nota, afirmou que se havia engenheiro atuando no parque o mesmo estaria trabalhando voluntariamente.

Já o Ministério Público Estadual informou que apura se o acidente no Twister do Parque Mutirama foi provocado por falta de manutenção ou por outra causa.

"Queremos descobrir se foi uma fatalidade ou se esse acidente foi culposo ou doloso. Tudo vai depender de laudos periciais que já foram pedidos. Se for comprovado que o acidente foi causado por falta de manutenção, o gestor pode responder por improbidade administrativa e, na esfera penal, por uma lesão corporal", explicou a promotora de Justiça Leila Maria Oliveira, responsável pelo caso.

Agora
Auditores-fiscais do trabalho decidiram interditar todos os brinquedos e, consequentemente, o Parque Mutirama. A decisão veio um dia após o grave acidente que deixou 11 feridos, dois em estado grave.
Segundo o responsável pela operação, auditor Rogério Silva Araújo, foram identificadas diversas irregularidades nas atrações, que colocam em risco a integridade física não só dos participantes, mas também dos trabalhadores do local.
Além disso o vereador Delegado Eduardo Prado (PV), Presidente da Comissão do Direito do Consumidor, despachou com o Presidente do Crea-GO, Francisco Antonio da Silva de Almeida, sobre o parque.
O Presidente da Comissão do Direito do Consumidor requereu perícia em todos equipamentos do Parque Mutirama, emissão de Laudo de Constatação, averiguação do Termo de Responsabilidade de Técnica dos equipamentos e interdição do parque, em virtude do grave acidente.  O Vereador ressaltou que mesmo com fechamento temporário do Parque Mutirama por Ato Administrativo é imprescindível a interdição técnica, razão pela qual acionou o Corpo de Bombeiros e o Crea.

Vítimas
Familiares de vítimas do acidente prestaram depoimento e pediram que os responsáveis pelas causas sejam punidos. Entre os 13 feridos, dois seguem internados no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo).
Um dos filhos da vítima Iraci Francisca da Conceição, de 56 anos, Orlando da Conceição afirmou que ela segue internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no Hugo em estado grave. Ele foi ouvido pela Polícia Civil sobre o caso e pede esclarecimentos. “O que a gente espera realmente é uma punição, um resultado efetivo da Justiça.”
Todos os goianienses que cresceram com as boas memórias do Parque Mutirama também.

O parque
O Mutirama foi inaugurado no final da década de 60 (1969). Localizado ao lado do Parque Botafogo, está numa área criada e planejada desde a fundação de Goiânia, estando no Centro da cidade. Em suas instalações, consta o planetário que pertence à Universidade Federal de Goiás e o Parque dos Dinossauros, contendo réplicas em tamanho real.

O legado de Paulo Garcia 
A reforma do Parque Mutirama foi grande responsável pela reeleição de Paulo Garcia (PT) – falecido no último dia 30.  O Mutirama foi fechado para reforma em fevereiro de 2011 e reinaugurado em 2012, uma semana antes de Paulo Garcia oficializar a candidatura reeleição para prefeito de Goiânia.

Durante o tempo que o parque ficou fechado para reforma foi alvo de inúmeras denúncias de irregularidades envolvendo a obra. Perícias do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) apontaram irregularidades na licitação e no andamento das obras.
Inclusive o túnel que foi feito sobre a Avenida Araguaia foi considerado um túnel simulado pelo Crea.

A assinatura do PT na tragédia 
Em 2015, em uma decisão monocrática, o juiz substituto em segundo grau Roberto Horácio Rezende manteve decisão que recebeu petição inicial ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) em desfavor do prefeito de Goiânia, Paulo Garcia. A ação civil pública foi proposta devido a supostas irregularidades no Parque Mutirama quanto à contratação de empresa para a manutenção dos brinquedos.

A decisão em primeiro grau foi do juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Registros Públicos de Goiânia, Fabiano Abel de Aragão Fernandes. Além do prefeito, respondem pelo suposto ato de improbidade administrativa o Município de Goiânia, o ex-presidente do parque, Jairo Gomes das Neves; as empresas JF Produtos Serviços Equipamentos de Limpeza e Hospitalares Ltda.; Life Produtos e Equipamentos de Limpeza e Hospitalares Ltda e seus sócios, Wanderlei Tomas Pires e Francisco Divino da Cruz.

Paulo Garcia recorreu da decisão para que seu nome fosse retirado da ação, alegando que não teve responsabilidade nas supostas irregularidades já que, segundo ele, “ao tempo dos fatos investigados, o Parque Mutirama era uma autarquia dotada de autonomia patrimonial e financeira, dirigida por Jairo Gomes, o que lhe retira a legitimidade para figurar como parte requerida na ação”.

O juiz, no entanto, entendeu que havia indícios de ato de improbidade administrativa por parte do prefeito. Ele destacou a autorização para contratar e a ratificação da dispensa de licitação apresentados pelo MPGO e que foram assinadas por Paulo Garcia. “Pertinente é a manutenção da decisão que recebeu a petição inicial da ação civil pública, transferindo para a fase de cognição a análise da descrição dos fatos imputados e da ocorrência da materialidade do ato ímprobo”, concluiu o magistrado.

A denúncia
Segundo o MP-GO, sob a presidência de Jairo Gomes, o Parque Mutirama realizou contrato emergencial com dispensa de licitação com a empresa JF no valor de R$ 1,380 milhão. Por meio de despacho, a contratação foi autorizada pelo prefeito pelo prazo de 180 dias. Porém, de acordo com a denúncia, “não houve justificativa para a escolha da empresa ré, tampouco realização de pesquisa de preços para se chegar ao valor citado”.

Ainda de acordo com o Ministério Público do Estado de Goiás, a Prefeitura forjou uma cotação de preços com a empresa Life, no valor de R$ 1,740 milhão, para tentar justificar a contratação da JF. O MP-GO alega que a cotação de preços das duas empresas tem formatação de digitação idêntica e estão sediadas no mesmo endereço, sendo que Francisco Divino é ex-sócio e procurador da JF e sócio majoritário da Life.

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