Proposta de regulamentação de distratos gera preocupação em associação de mutuários
Para ativar a retomada do crescimento do País, o Palácio do Planalto quer acelerar o anúncio de novas medidas microeconômicas. Uma delas é a proposta de regulamentação dos distratos (quando há desistência da compra ou venda do imóvel na planta), que já foi enviada ao Congresso Nacional.
Atualmente, alguém que desistiu da compra do imóvel pode entrar em um acordo para receber de volta o que pagou ou, se não estiver satisfeito com o valor, pode recorrer à justiça. É esse processo de judicialização que o governo e os incorporadores quer evitar, pois, como as decisões judiciais seguem as orientações do Código de Defesa do Consumidor, os empresários estão se sentido “lesados”.
Segundo a proposta, será fixado num dispositivo legal, um porcentual para o ressarcimento dos valores pagos pelo comprador nos casos de distrato. A proposta também fixará um prazo de carência de atraso da obra antes que a construtora tenha que ressarcir o cliente. Esse prazo deverá ficar em seis meses, que é o que tem sido aceito pela Justiça.
O envio ao Congresso Nacional de uma proposta de regulamentação dos distratos gera preocupação na Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), como destaca o vice-presidente da entidade, Wilson César Rascovit. “Em primeiro lugar, as tratativas são vistas com desconfiança, pois somente órgãos ligados ao próprio Governo Federal e empresários participam da discussão do tema. Embora o Ministério Público e da Justiça (através da Secretaria Nacional do Consumidor) também estejam presentes, o foco do encontro é proteger os grandes incorporadores, tanto pelo atraso das obras como nos casos de rescisões dos contratos de compra de imóveis novos – especialmente na planta ou em construção”, observa.
De acordo com o vice-presidente da ABMH, a associação não é contra a regulamentação do tema e ressalta que regras claras são positivas para quem é parte de qualquer relação jurídica. “Todavia, não se pode esquecer que existe uma parte mais frágil nesse tipo de negociação, o promitente comprador (trata-se de uma relação de consumo), que precisa ser protegido em caso de rescisão, já que não lhe é dada a possibilidade de discussão das cláusulas contratuais no momento da compra, especialmente quando se tratam de grandes incorporadores. São contratos de adesão, nos quais a única alternativa é dizer sim ou não”, explica.
De toda forma, se a intenção é regulamentar, Wilson Rascovit diz que algumas observações podem ajudar a possível norma se tornar mais justa, para ambas as partes:
Com relação à multa pela rescisão contratual, que no caso do comprador corresponde àquele percentual que não é devolvido pelo incorporador, sua aplicação deve ser para ambas as partes, ou seja, a multa deve ser aplicada contra a parte que desistir ou der causa à rescisão do contrato.
A devolução dos valores devidos ao comprador, descontada a multa, deve ser feita imediatamente, conforme prevê a súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ora, o incorporador já se beneficiou do capital despendido pelo consumidor, e vai devolver somente uma parte do que foi pago, não se justifica um prazo de carência ou parcelamento dos valores a serem devolvidos.
No que se refere aos honorários de corretagem, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários do corretor de imóveis, seja o corretor autônomo ou a imobiliária, é da pessoa (física ou jurídica) que contrata tais serviços. Logo, se o comprador fez a contratação do profissional, logicamente a corretagem terá sido paga por ele, diretamente ao corretor, e – em caso de distrato – a devolução (ou não) da quantia paga deverá ser entendida entre as referidas partes, quais sejam, consumidor (cliente) e corretor de imóveis. Por outro lado, se a contratação e pagamento do corretor de imóveis foram feitos pelo incorporador (promitente vendedor), não se pode exigir que o promitente comprador arque com o respectivo dispêndio, primeiramente porque o consumidor não participou da negociação de tais honorários, em segundo lugar porque se trata do risco da atividade econômica desenvolvida pelo incorporador, e por último porque tais despesas estão incluídas na multa pela rescisão contratual que será paga pelo promitente comprador (esta é a função da multa).
Com relação à multa contratual, o percentual de 20% nesse tipo de caso tem sido aceito por nossos tribunais, e é totalmente suficiente para cobrir os gastos do incorporador (inclusive com a corretagem). A base de cálculo da multa, logicamente, é o valor pago pelo comprador, e não o valor do imóvel. Sendo assim, se o promitente vendedor entende que precisa receber um mínimo no caso de desistência do promitente comprador, cabe a ele (incorporador) exigir uma entrada mínima, cujo percentual de 20% seja suficiente para cobrir seus custos, em caso de rescisão. Outro detalhe importante é que, independentemente do percentual, o valor da multa seja o máximo a ser retido pelo incorporador, sem possibilidade de indenização suplementar. Ou seja, a multa precisa ter caráter indenizatório e compensatório, justamente para cobrir as perdas e danos da parte lesada pela indesejada rescisão contratual, e não caráter penal. Sobre a natureza da multa, a única ressalva é para os casos em que o comprador já recebeu a posse direta do imóvel, nesse caso é cabível indenização complementar pela fruição e/ou pelas benfeitorias úteis e necessárias realizadas no bem.